A cegueira e a política

7 02 2011

Um dos enigmas do exercício do poder é a forma como a cegueira se instala nos entes políticos, guindados a postos de mando e comando muito mais por forças das contingências do que por competências e capacidades. Para alguns, esta cegueira, que vem acompanhada por amnésias residuais e pontuais, é inoculada pela picada da chamada mosca azul – ainda que eu considere a cor apenas um preconceito contra o Grêmio, tendo em vista que existem moscas inoculadoras verdes, vermelhas, amarelas, pretas, brancas…
Em alguns casos, a cegueira já é esperada – tendo em vista que seu surgimento é parte do comportamento de pessoas, que só calçam eventuais sandálias de humildade em tempos de campanha. Depois, voltam ao mesmo patamar de arrogância e prepotência. Não aprendem com os erros e querem aplicar estratégias e colocar em prática opções que não deram certo, que naufragaram em outros locais.
Este é um dos riscos mais perversos, uma vez que eles acabam trazendo ônus não apenas para si ou para seu grupo político, mas, via de regra, acabam comprometendo um projeto todo – que é muito maior do que seu ego ou suas necessidades de mostrar pleno comando de situações. O que mais assusta em tais circunstâncias é que as lições dos outros nunca são aprendidas e as práticas acabam sendo repetidas – mesmo quando já se sabe de ante-mão qual a nhaca que dará.
E antes que digam ou pensem em A ou B, é bom cada um olhar para sua própria prática – porque este é outro problema sério que esta cegueira causa: ela torna as pessoas com olhares tão perscrutantes em relação aos outros que acaba gerando miopia acelerada e preconceituosa.
O único antídoto para tais situações está na crítica externa, tendo em vista que a cegueira de um líder de governo, facção, partido ou tendência acaba cegando os que estão sob a influência do ‘cego’. Nisto reside outro problema: a cegueira também gera um desvio de comportamento no qual uma eventual crítica não é vista como algo saudável, mas apenas como perfídia.
Assim, por conta da cegueira causada pelo poder, busca-se impor como norma de comportamento uma espécie de ‘espiral do silêncio’ adequada a circunstâncias e contingências, onde o politicamente correto acaba gerando conformismos e bolsões de revolta sufocados pelas conveniências. É nesta perversa junção de cegueira, poder e conveniências que se gesta o naufrágio de governos, de sonhos e de projetos.
E ninguém quer assumir a responsabilidade depois, mas acaba em verdade é se omitindo antes e durante.
(artigo publicado no Correio do Metrô, edição 396)


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5 responses

7 02 2011
Lucas de Araújo Moreira

Tá… e para quem é esta carapuça? Ela serve a tantos…

7 02 2011
Regina lencastro

Caramba…
eu queria mesmo é saber o nome de quem não fica cego.

7 02 2011
Marlene

Não acho que sirva apenas para os políticos, mas acho que deva servir para nós eleitores, que ainda colocamos no poder pessoas que não prezam pelo coletivo e sim para si mesmos quando deveriam servir ao povo.

7 02 2011
Simone Severo

Atencao!!
A populacao precisa saber que a Denise Severo, que foi deportada da Espanha e tratada como criminosa em 28 de janeiro de 2011, mandou ontem, 6 de fevereiro de 2011, uma Carta ao Embaixador da Espanha no Brasil, com copia para o Itamaraty e para toda imprensa. Ainda nao vi NADA impresso, muito menos comentarios do Itamaraty em sua defesa e em defesa de todo cidadao brasileiro pela garantia dos direitos humanos.

reproduzo aqui a carta de Denise Severo, publicada no Blog do Luiz Carlos Azenha, em Vi o Mundo:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/debate-necessario-a-espanha-violou-direitos.html

Brasília, 06 de fevereiro de 2011

Exmo Sr. Embaixador da Espanha no Brasil, Dr. Carlos Alonso Zaldívar,

Na condição de cidadã brasileira gostaria de problematizar as questões abordadas pelo Sr. em sua carta divulgada no dia 04/02/2011 em alguns meios de comunicação. Primeiramente, gostaria de reiterar que não se trata de um “caso isolado”, como foi mencionado, haja vista que, conforme o Sr. mesmo afirma, somente no ano de 2010 aconteceram 1.831 casos com brasileir@s. Esta cifra não parece coerente com a afirmação referida. De todo modo, independente das circunstâncias, todas estas pessoas são cidadãos de direitos e, como tal, devem ser tratados. E esta é exatamente a questão central que não foi abordada pelo Sr., a violação dos direitos humanos.

Evidentemente que todas as nações são soberanas para decidir quem entra ou não entra em seus territórios, mas os direitos humanos precisam ser garantidos.

No entanto, eu não tive direito à informação. Fiquei 15 horas detida sem saber os motivos. Nenhuma pessoa da Polícia, em nenhum momento, me explicou nada sobre os motivos pelos quais estava detida e, tampouco, sobre os procedimentos que estavam sendo encaminhados.

Não tive direito à telefonema. Tive que comprar cartão telefônico da “trabajadora social” da Polícia para poder telefonar, caso contrário, não teria tido a possibilidade sequer de acionar a Embaixada e o Consulado.

Fui revistada fisicamente e as minhas bagagens confiscadas sem saber nem mesmo o motivo pelo qual estava sendo revistada e detida.

Somente tive direito a um advogado e uma tradutora depois de sete (7) horas detida, revistada e presa em uma sala.

Fui tratada como criminosa pela Polícia e escoltada todo o tempo em que estive detida.

Fui escoltada para o avião, conduzida em carro de Polícia e exposta à constrangimento público.

Excelentíssimo Sr. Embaixador, gostaria de saber se tais atos refletem a garantia dos direitos humanos pela Espanha? Gostaria de saber se a Espanha concorda e avaliza tais atos da Polícia?

Além disso, em sua carta o Sr. afirma que minha negação de entrada na Espanha se deu por dois motivos: “O primeiro, que a Sra. Severo, apesar da sua boa vontade, não dispunha de alguns dos documentos ou comprovantes necessários. E segundo, porque não se usou adequadamente o mecanismo previsto para estes casos, mediante a intervenção do Consulado Geral do Brasil em Madrid.”

Iniciemos pelo primeiro ponto: falta de documentos.

Eu portava passaporte, passagem de ida e volta, reserva do Hotel, seguro viagem, documento do Ministério da Cultura que comprova que trabalho em um projeto governamental, cópia da escritura da casa própria, carteira de motorista internacional, cartão TravelMoney do Banco do Brasil, cartão de crédito Banco do Brasil International, euros em espécie e extratos assinados pelo Banco do Brasil que comprovavam a compra de euros acima do necessário para a quantidade de dias que iria passar de férias na Espanha. Portanto, eu tinha todos os documentos exigidos, conforme descrito no site da Embaixada da Espanha.

Todavia, o argumento da Polícia para negar minha entrada foi o de que não havia reserva de Hotel no nome de minha amiga. Ou seja, quando a Polícia afirma que eu estou sendo barrada porque não há reserva em nome de minha amiga (que também é coordenadora do projeto governamental para o qual trabalho) ela está afirmando que, se houvesse a confirmação da reserva em nome de minha amiga eu não seria barrada. Raciocínio lógico.

Pois bem, diante do argumento da Polícia, como o Sr Embaixador explica que a Polícia da Espanha tenha desconsiderado o telefonema em viva voz realizado pelo advogado disponibilizado para minha defesa, no qual a recepção do Hotel afirmou que havia reserva em nome de minha amiga e que inclusive ela já se encontrava hospedada, mencionando até o número de seu quarto?

Como é possível a Polícia, após escutar este telefonema com várias testemunhas presentes, afirmar que este telefonema não valia nada para ela e reiterar que o motivo pelo qual eu estava sendo barrada era porque não havia reserva em nome de minha amiga?

É esse o direito de defesa que os cidadãos estrangeiros recebem na Espanha?

Então Sr Embaixador, gostaria sinceramente de compreender por que a Polícia oferece um advogado para defender um cidadão estrangeiro se ela mesma não reconhece o argumento e as provas apresentadas por este advogado?

Além disso, Sr Embaixador, eu portava o documento da reserva do Hotel que comprovava exatamente o argumento que a Polícia utilizou para negar minha entrada.

Ademais, mesmo que o argumento da Polícia tivesse sido, e não foi, a inexistência de reserva de hotel em meu nome (visto que a reserva foi de um quarto duplo e o site do Hotel não exigiu dois nomes), eu lhe perguntaria: existe algum sistema nacional coordenado pelo Ministério do Turismo ou qualquer outro Ministério, que obrigue os sites de todos os Hotéis da Espanha a exigirem a descrição de dois nomes quando do ato da reserva de um quarto duplo?

Com relação à segunda questão abordada em sua carta: “não se usou adequadamente o mecanismo previsto para estes casos, mediante a intervenção do Consulado Geral do Brasil em Madrid.”

Reafirmo que acionei adequadamente o Consulado Geral do Brasil, conforme foi confirmado pelo Itamaraty. Lembrando que somente pude acessar porque comprei cartões telefônicos da própria Polícia, caso contrário não teria conseguido acioná-lo.

Quero explicitar que os questionamentos aqui presentes visam, sobretudo, pautar a discussão no seio da sociedade sobre o imperativo ético da garantia dos direitos humanos de todos os cidadãos do mundo.

Por fim, uma pergunta não cala: será coincidência do acaso o fato de somente estar detidos latino-american@s e/ou negr@s?

Respeitosamente,

Denise Severo

Pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB)

Coordenadora Pedagógica do Projeto Vidas Paralelas (MinC/MS/UnB/REC-ST)

deniseosorios@hotmail.com

10 02 2011
Entre Folhas começa aqui! » REFLEXÃO – A cegueira e a política

[…] Reproduzo texto publicado no PASSE LIVRE Online. […]

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